A tríade de produto está quebrada.
E não é por falta de frameworks ou métodos.
É porque, na prática, ela raramente funciona como deveria.
Semana passada falei sobre isso no ProductTank Valencia, ao lado do Bruno Torres Boeger. Foi uma conversa potente sobre times de alto impacto com uma audiência generosa, curiosa e com vivência de verdade.
Ali, ficou claro que essa dor é mais comum do que parece.

A promessa da tríade
A tríade foi uma proposta poderosa. Quando nomes como Marty Cagan ou Teresa Torres falam sobre a importância da colaboração entre PM, Design e Engenharia, o mercado ouve. E com razão.
Ela nasceu como uma tentativa de colocar as três principais perspectivas do desenvolvimento de produto na mesma mesa:
- O que é desejável para o usuário
- O que é viável para a tecnologia
- O que é viável para o negócio
No slide, ela é perfeita.
Mas no dia a dia, vira outra coisa.

O colapso silencioso da tríade
Em muitas empresas, o que vemos é um modelo onde o PM centraliza decisões, o Design vira “suporte visual” e a Engenharia só aparece quando já tem ticket pronto.
Quem descreve isso com precisão é Peter Merholz, no artigo Reconsider Your Power.
Ele alerta que o problema da tríade não está no modelo em si, mas no desequilíbrio de poder e responsabilidade entre as disciplinas.
“Não é sobre quem manda.
É sobre quem compartilha a responsabilidade de fazer dar certo.”
Peter propõe que a tríade só funciona quando há redistribuição de poder, clareza de papéis e espaço real para todas as vozes.
PMs não são CEOs do produto.
Design e Engenharia não são funções de apoio.
Todos são co-autores da decisão.
Papéis ou conhecimento?
Durante a palestra, alguém perguntou:
“Mas e se, em vez de tríade, for um quarteto, incluindo alguém de vendas?”
E minha resposta foi simples: Pode ser. Já vi funcionar.
A verdade é que o problema está em como enxergamos a tríade.
Se tratamos como papéis fixos, ela engessa.
Se entendemos como conjuntos de conhecimento essenciais para boas decisões, ela ganha vida.
Já atuei em contextos com quarteto, quinteto… tudo depende do tipo de produto, da maturidade do time, e dos desafios do momento.
O ponto é:
Quem precisa estar na conversa?
Quem tem o conhecimento que falta agora?
Quem consegue ver o problema com mais clareza?
Cada pessoa da equipe precisa, no mínimo, entender os pilares da tríade.
Não para substituir ninguém, mas para colaborar de forma mais qualificada, tomar decisões mais completas, criar soluções mais inteligentes.
Quando funciona: um exemplo real
Vi isso acontecer, de forma madura, num projeto que liderei no Santander.
O designer estava envolvido em outra frente e não conseguiria entrar na discovery desde o início.
O PM não paralisou o processo.
Conduziu entrevistas, levantou hipóteses e criou alinhamentos iniciais.
Mas — e esse é o ponto — nada foi fechado sozinho.
Assim que o designer ficou disponível, ele foi trazido pra mesa com contexto, espaço e abertura real para mudar os rumos.
Não teve briga por território.
Não teve vaidade por ter “sido o primeiro”.
Teve responsabilidade compartilhada e foco no aprendizado do time.
Foi discovery feita em camadas, com quem podia estar presente em cada momento, mas com clareza de que a decisão é coletiva.
O que realmente importa
A tríade não é sobre formato.
É sobre conhecimento necessário na conversa certa.
Não importa se é uma tríade, um quarteto ou um squad completo.
O que importa é:
- Há clareza sobre o problema?
- Todas as perspectivas estão na mesa?
- As decisões são construídas ou apenas comunicadas?
Quando a tríade vira só uma questão de papel, ela falha.
Quando vira uma disputa por espaço, ela trava.
E quem paga o preço é sempre o usuário — e o negócio.
Trabalhar melhor é mais do que entregar
No fim das contas, trabalhar melhor não é sobre frameworks.
É sobre presença, maturidade, contexto e intenção real de colaboração.
É sobre criar times que sabem quem precisa estar onde, em cada etapa da jornada.
Que decidem juntos, aprendem juntos e entregam com clareza de propósito.
Se o seu time está entregando muito, mas mudando pouco, talvez não falte esforço.
Talvez falte direção.
A tríade pode funcionar.
Mas só se a gente parar de defender território e começar a construir clareza. Juntos.