Faz semanas que eu venho remoendo algumas conversas, comentários e votos de duas enquetes que publiquei no LinkedIn. As perguntas pareciam simples. Mas o retorno foi um espelho brutal do nosso momento como líderes de design no mercado.
“Quando você contrata um líder de design, o que está buscando de verdade?”
“E você, líder, o que acredita que mais esperam de você?”
As respostas e os desdobramentos acenderam o alerta: ainda tem muita gente confundindo liderança de design com senioridade visual. E do outro lado, tem líderes tentando “entregar bonito” — quando, na real, deveriam estar garantindo eficiência, qualidade e clareza de direção.
Esse texto é isso: uma tentativa de colocar pra fora os pontos que têm martelado na cabeça. E de mostrar, com dados, que talvez esteja na hora de reformular o nosso entendimento sobre o que é, e o que não é, liderar em design.
A beleza ainda “engana”
Na primeira enquete, 56% das pessoas disseram que o maior desafio dos líderes de design hoje é não exercer influência estratégica real. Visão de produto e negócio apareceu com 23%. E só 5% marcaram “craft e criatividade visual”.
Beleza. Você pode olhar esse dado e pensar: “Ok, o mercado já entendeu que não é só sobre tela bonita.”
Mas calma. Essa é a expectativa. E a realidade?
A segunda enquete, voltada pros próprios líderes, mostrou que só 12% acham que “formar e cuidar do time” é o que mais esperam deles. Sabe o que apareceu no topo? De novo: estratégia e visão de produto. Ou seja, a gente até entendeu que precisa jogar outro jogo… mas ainda estamos jogando o antigo, no modo sprint.
A pesquisa maior, com 381 respostas (sendo 52 líderes e 329 liderados), confirma esse ruído. Muitos líderes subiram na carreira pelo craft, pelo domínio técnico. E continuam tentando liderar do mesmo lugar: organizando a entrega, revisando Figma, refatorando layout. Mas não é mais sobre isso.
Craft é base. mas não é tudo.
E aqui entra um ponto que eu venho martelando há um tempo: focar no craft é essencial, mas não pode ser escudo.
Eu também gosto de tela bem feita, de interface redonda, de texto alinhado. A estética é um jeito de comunicar clareza. Mas liderar não é ser o designer mais sênior da squad. E também não é virar executivo que esqueceu de onde veio. É outra coisa. É saber:
- Traduzir valor do design pro negócio.
- Garantir qualidade, mas também garantir eficiência.
- Ser ponte entre áreas.
- Escolher as batalhas certas.
- Cuidar do time. Dar direção. Inspirar. Mas cobrar.
Como disse um dos participantes da pesquisa:
“A primeira pergunta de um líder deveria ser: como eu posso não atrapalhar você?”
O líder não entrega tela. entrega clareza.
É isso. O líder de design não entrega o componente. Ele entrega a clareza que faz o time andar. A fluidez que permite criar. A defesa que protege. A estratégia que posiciona.
E aí entra uma crítica que tenho visto muito pouco no mercado: muitos líderes ainda não sabem fazer o design acontecer como parte da estratégia. Ou não têm espaço. Ou não são ouvidos. Ou estão ocupados demais apagando incêndio, tentando provar que o design “vale a pena”.
Filipe Nzongo disse algo forte nos comentários:
“Os líderes de design entendem o que precisa ser feito, mas não têm espaço. O board não aposta.”
E eu entendo. Mas a gente também precisa assumir o nosso papel nessa equação. Se você é líder e ainda está envolvido demais na operação, talvez falte coragem (ou apoio) pra delegar. Talvez falte repertório pra articular o valor do design em reuniões com C-level. E aí vem a armadilha: você vira o líder que revisa tela, mas não lidera a mudança.
Estratégia, eficiência e gente
Eu gosto de pensar que o papel do líder de design é um tripé. Não tem glamour, mas tem peso:
- Definir estratégia: entender o negócio, posicionar o design, defender visão.
- Garantir eficiência: processos claros, entregas consistentes, time organizado.
- Cuidar da qualidade (sem ser o guardião do craft): criar uma cultura onde a qualidade é coletiva, não centralizada em uma revisão final sua.
Se você tá fazendo tudo sozinho, tem algo errado. Se o time depende de você pra tudo, tem algo errado. Se você não tem tempo pra pensar, planejar, negociar, tem algo errado.
O mercado já percebeu — e vai cobrar
Os comentários nas enquetes deixaram isso bem claro. CEOs e heads querem mais do que design bonito. Eles querem líderes que saibam montar time, criar cultura e pensar produto.
Na prática? Muitos ainda contratam mal, criam expectativas erradas e jogam o peso da transformação no colo do designer mais habilidoso.
Mas isso tá mudando. A régua está subindo. E quem não entender essa mudança, vai perder espaço. Porque o líder de design de agora não é o guardião da estética. É o articulador da entrega com propósito. É o conector entre visão e execução.
E aí, por que você quer liderar?
Na pesquisa, 60% das pessoas disseram que querem ser líderes um dia. Mas será que todo mundo entende o que isso significa?
Liderar não é ter controle. É abrir mão.
Liderar não é ser o mais criativo. É ser o mais claro.
Liderar não é sobre “dar certo”. É sobre fazer o certo acontecer, junto com o time.
Se você quer subir, prepare-se pra mudar. Como disse Laura Baker:
“O que te trouxe até aqui não vai te levar adiante.”
E se você já está no cargo, respira. Revisa seu papel. E escolhe onde você precisa estar: na tela, na reunião, ou na estratégia.
conclusão: fazer bonito é bom. fazer acontecer é necessário.
O craft é bonito. A tela bem feita, o motion certo, a tipografia viva — tudo isso importa.
Mas não basta.
Porque quem lidera não entrega só uma boa interface. Entrega contexto, clareza e caminho.
E talvez essa seja a entrega mais difícil — e mais importante — que a gente precisa aprender a fazer.
Se você chegou até aqui, compartilha esse texto com alguém que também tá tentando entender o que é, de verdade, liderar em design.
E se quiser continuar a conversa, já sabe onde me encontrar.
E aí, vai dar conta?